quinta-feira, abril 13, 2006

Botão Antipânico

Durante muito tempo eu pensei que não poderia mais gostar de alguém. Durante muito tempo todas as coisas que me aconteceram até aquele momento só me diziam o tempo todo sobre estes sentimentos. Você se doa, você escolhe, você se abre e depois sofre. Como num ciclo era o que sempre acontecia. Percebi que vivia de relações solitárias ainda que pensasse que estava com alguém. Eu queria estar, queria compartilhar, queria amar...Eu, eu, eu. Eu e mais ninguém. Não percebia que embarcava sempre sozinha e na hora de remar eu quem conduzia com minha força, com a minha vontade, sem olhar pra trás, o barco. Quando percebia já era tarde, eu tava no meio do oceano, sozinha, com um remo apenas e sem qualquer possibilidade de volta ao porto sem algum sacrifício ou sofrimento.

Remar sozinha é muito ruim, perceber que se está “sozinha” em uma relação é pior ainda. Mas isso é o que mais acontece. Não só comigo, mas com muita gente por aí. Errados ou certos, não importa julgar agora. Não existe culpa em querer amar, não existe culpa em querer ser feliz, não existe culpa em querer encontrar “o alguém certo”. O problema de tudo isso é que normalmente trocamos os pés pelas mãos, julgamos coisas cedo demais sem nos conhecer e conhecer verdadeiramente o outro.

Por esta ânsia cada vez mais louca de não querer se permitir a solidão real e irrestrita a gente sai por aí atropelando coisas, pessoas e momentos que poderiam ser bons se a gente deixasse simplesmente que eles acontecessem naturalmente.

Mas não é o que acontece. Hoje o mundo tem pressa. Tudo precisa ter a rapidez de um e-mail, de uma mensagem instantânea, de um cometa no céu. No entanto, apesar de difícil decisão, precisamos parar de agir desta forma porque a única coisa que estas atitudes podem trazer é sofrimento, mágoa, ressentimento e culpa. Com o tempo e a repetição destes a gente acaba por criar uma cápsula protetora a prova de qualquer coisa ou sentimento, e dentro dela tem um botão vermelho enorme escrito: “Botão Antipânico” – Aperte em Emergências.

Mas que emergências são essas? Estas são exatamente os sentimentos que temos mais medo de enfrentar. Se alguém consegue penetrar em nossa cápsula protetora então só nos resta usar este botão como única opção de tentar fazer com que esta invasão não nos cause danos ou prejuízos maiores. Se por acaso enquanto estamos dentro desta cápsula aparece alguém tentando entrar a partir do momento que isso acontece e a gente não sabe ainda o que fazer este botão aciona-se. Se por acaso a gente começa a perceber que vai sofrer com alguma situação este botão dispara. Se por acaso a gente começa a perceber que está revivendo uma situação passada ruim novamente, este botão é acionado. É como se ele fosse a salvação, a nossa única proteção. Mas não é. É como se acionado pudesse, naquele momento, nos ajudar a pensar, a refletir, mas muitas vezes, é com isso que evitamos seguir em frente.

Não porque o botão seja ruim, não é. Mas é que o costume em utilizá-lo ou saber que existe, faz-nos perder o discernimento de saber a hora de parar de pensar nele como nosso porto seguro. Com o tempo a gente nem sente que esta pensando nele. É quase que automático. No fim não temos mais reação. Tudo fica mecânico. Com o tempo a gente simplesmente vai se acostumando e deixando que isso tome conta da gente. O que era pra ser um momento de puro conhecimento agora virou um tormento porque não podemos dar dois passos que botão sai logo emitindo seu sinal vermelho intermitente.

Eu vivi muito tempo apertando esse botão sem perceber, sem sentir, achando que tinha controle sobre mim. Fui vivendo sem me dar conta que me continha em tudo. Primeiramente porque era necessário. Porque dizia a mim mesma que jamais poderia entrar em outra relação sem primeiro viver e entender o que tinha acontecido. Era algo automático, alguma coisa que eu não podia simplesmente controlar. Não conseguia me envolver ou pensar em estar com ninguém. Sentia carência e até pena de mim às vezes. Eu até que tentava não me isolar, mas não conseguia. Naquele momento precisa me recolher, precisava me respeitar. Só que eu não sabia quando e como parar. E este que é o verdadeiro problema.

Chega uma hora que é preciso parar, sair desta cápsula e continuar nosso caminho.Ainda que desconhecido e inseguro seguir, precisamos tomar coragem e enfrentar o medo ou a nossa insegurança. Eu demorei a perceber isso. Eu fiquei praticamente oito meses dentro desta cápsula sem querer me envolver em outra situação, sem querer experimentar alguma sensação que me fizesse sair daquela inércia em que eu me encontrava. Quando resolvi sair e sem muito saber o que fazer, eu acabei tentando da pior maneira me convencer que estava errada. E errei de novo. Confundi sentimentos e percebi que não estava me sentindo preparada então logo retrocedi ao invés de avançar. A diferença estava no tipo de relação que eu queria e no medo de me envolver com a pessoa “errada” novamente. O botão pânico apitou forte e eu saí correndo de volta para minha cápsula.

Somente depois de um ano, ou seja, quatro meses a mais do que eu me imaginava comecei a me desfazer da cápsula que me envolvia e fui me deixando sair. Já o botão estava ali sempre a vista de mim me fazendo pensar. Neste momento eu vi que este botão não se acionava sozinho, mas acionava conforme meus sentimentos e pensamentos. Na verdade todas as vezes que ele acionou foi sob meu comando. Não precisava de minha mão em cima dele, não precisava se quer tocá-lo. Bastava pensar e o sentimento de medo ou de receio o fazia vibrar dentro de mim. Percebi então que este botão estava ali para me ajudar e não para me impedir de viver. A existência dele era somente pra me mostrar quando parar, quando seguir, mas não fazer dele uma fuga o tempo todo.

Usar este botão com coerência, sabedoria e discernimento é muito difícil. Como é acionado com nossos sentimentos não tem bula nem manual de instruções. Para cada individuo este botão funciona de forma diferente, tem aspecto diferente e uma razão de existir diferente. Chega um momento da vida da gente que a gente aprende a conviver com este botão dentro de nós. Quando digo conviver não é aceitar de qualquer forma, mas aceitar conscientemente e coerentemente que existe dentro da gente e que cabe a nós mesmos saber quando e como usá-lo da melhor maneira possível.

O botão antipânico não foi feito para nos impedir de sentir nada. Não foi feito para que evitemos viver e nem significa que não vamos mais sofrer por causa da existência dele. Cabe nos descobrir em nós mesmos, aprender com ele. Evitar que nos aconteçam certas coisas poderão somente trazer mais sofrimento. O botão antipânico foi criado não para deixarmos de viver, nem para sofrer. Quem descobre isso ou chega a esta conclusão descobre que depois disso já não basta somente existir no mundo, é preciso experimentar a vida, e querer de certa forma, poder tirar dela o que há de melhor.

Luciane M. Mansur - 13/04/2006 – 11:07

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